Lá vai ele. Tão novo e com tantas responsabilidades. Os calções vão escorregando à medida que ele caminha e ele, de modo automático, puxa-os para cima com a mão esquerda porque com a mão direita vai conduzindo o seu carro de lata. Deixai-o viver a sua infância. Não haverá tempo para uma criança se tornar adulta? Mas, basta estarmos vivos para estarmos sujeitos à adversidade...
Santiago regressava a casa depois de uma tarde com os amigos a jogar à bola. Também tinham feito um concurso de melhor carro de lata do mundo e o seu tinha ficado em segundo lugar. Ele sabia que para a próxima conseguiria o primeiro lugar porque ía pedir à mãe para comprar latas de azeite da marca X. É que essas latas tinham maior maleabilidade. Os planos já estavam todos feitos... E lá puxava ele os calções com a mão esquerda, enquanto a mão direita puxava o seu carro de lata, com uma carica como medalha de um honroso segundo lugar.
Ao entrar em casa pela porta da cozinha, pronto para gritar a plenos pulmões que a lata de azeite da marca X era a ideal para o seu próximo carro de lata, sentiu-se imediatamente acabrunhado com o ambiente pesado instalado em casa. Pessoas estranhas, sentadas à mesa. Silenciosas. Ele inquiriu: "A mãe?". Uma senhora, amiga da avó paterna, levantou-se e aproximou-se de Santiago, tentando agarrá-lo pelas mãos, fazendo com que ele largasse o carro. Mas ele recusou o gesto e apertando mais a mão direita no cabo de metal do carro, repetiu: "A mãe?". Nha Maria apareceu à porta que dava acesso ao resto da casa e fez um gesto para o neto se aproximar. O menino, obediente, seguiu a avó até ao quarto dela, deixando o carro perto da porta por onde tinha entrado. Ela fechou a porta do quarto, suavemente, sentou-se na berma da cama e chamou o neto para se sentar ao lado dela.
"É o pai, não é? Ele já devia ter regressado, não é? Ele costuma estar sempre de volta quando estou nas férias grandes... É o pai, não é?", Santiago falou de um trago só, após sentar-se no lugar indicado pela avó. Nha Maria, tentando manter uma postura tranquila, disse "Sim, é o teu pai. Ele já devia ter regressado. Mas o teu pai nunca foi de dar muitas notícias...". A avó ficou um largo tempo em silêncio. Os olhos do Santiago estavam dilatados e perscrutavam os olhos da avó que os baixava. "Um senhor da empresa esteve aqui há bocado e disse que perderam o contacto com o grupo onde o teu pai estava." Outra pausa. "Mas não está nada confirmado que tenha acontecido alguma coisa de mal ao teu pai. Ele está desaparecido... Entendes, meu neto?". Santiago não entendia. Ele só sabia que o pai se ausentava de casa por muito tempo. Ele sabia que o pai viajava para lugares distantes com outros homens e que trabalhavam para uma empresa e que o pai voltava sempre pelas férias grandes. Ele também sabia que nas férias grandes, os pais, a avó e ele exploravam a ilha de Santiago, vezes sem fim. Mas ele não entendia porque é que o pai estava 'desaparecido'.
"Avó, eu entendo." e coloca a sua mãozinha, pequenina, sobre as mãos da avó que repousavam no regaço. "O pai está fora e agora vai demorar mais algum tempo. Não é isso?". "É, meu neto. É isso mesmo." Nha Maria também queria acreditar que era mesmo só isso. Mas ela sabia que para onde o filho ía as coisas poderiam correr mal. E neste último sítio, uma guerra civil estava a eclodir. E o seu filho queria somente criar mais oportunidades para Santiago... Indo para longe, não vendo o filho a crescer... valeria a pena tamanho sacrifício? Era o que pensava Nha Maria. "Sim, meu neto. É isso mesmo.", repetiu. Santiago, tentando tranquilizar a avó, disse: "Avó, enquanto o pai não chegar, eu prometo que não vou dar tanto trabalho... assim, a avó e a mãe não se cansam tanto! Eu vou tentar ser menos traquinas... Também posso consertar as coisas... como o pai faz quando ele está aqui... Assim, nem vamos perceber que o pai ainda não chegou."
A mãe de Santiago, que tinha aberto a porta há já algum tempo, de olhos húmidos e transtornados pela angústia de uma incerteza mas sorrindo ternamente, disse baixinho: "Oh nha fidjo matcho..."* e fechou a porta novamente, dirigindo-se para as pessoas que estavam na cozinha.
- Maggs -
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* meu rapaz
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