Monday, June 23, 2008

Lição de amor

Gosto de ouvir "The Story", programa produzido pela rádio pública do estado da Carolina do Norte e apresentado por Dick Gordon. The Story dá a oportunidade a cidadãos anónimos contarem a sua história que pode ter sido uma experiência traumática, uma benção recebida, um reconhecimento público a alguém que faleceu e que se sente que é necessário prestar uma homenagem única. Evidentemente, facilmente este tipo de programa pode cair na devassa da vida íntima das pessoas mas Dick Gordon é o condutor ideal. Seja um tema doloroso, seja um acontecimento de júbilo, Dick Gordon mantem a mesma entoação segura, suave e curiosa no sentido de fazer com que o seu interlocutor fale à vontade, quiçá fazendo com que se esqueça que há um microfone à frente. Assim, estamos todos juntos: o(s) contador(es) da história, Dick Gordon e todos os ouvintes, que permanecem num silêncio cúmplice.


O que ouvi hoje incitou-me finalmente a escrever sobre o programa que já faz parte do meu fim de dia. Neste fim de semana, um casal da Carolina do Norte casou-se pela primeira vez na igreja para renovação dos votos efectuados há quarenta anos. Na altura, o casamento não pôde ter sido realizado dentro da igreja. Não vou entrar nos detalhes mas o que importa é esta lição de amor:


Omelia, negra, casou-se com Alvin, branco, nos idos anos de 1968. Quando Alvin comunicou aos seus pais a sua intenção - tinha ido sozinho visitá-los por altura do Natal - o pai levantou-se e saiu de casa, ficando a mãe e o filho sem trocarem palavra. Na cerimónia de casamento, só apareceram os familiares da Omelia. Quatro anos depois, quando nasceu o segundo filho do casal, o pai de Alvin telefonou-lhe a perguntar "Precisam de companhia?" ao que Alvin respondeu "Precisamos." Alvin, que estava no trabalho, telefonou à esposa e perguntou-lhe "Precisas de companhia?". Omelia percebeu o que se passava porque já tinha havido um telefonema para a casa, onde a sogra se identificara e pedira o telefone do trabalho do filho. Omelia e Alvin estiveram até às 3h da manhã a limpar a casa e ela depois levantou-se cedo para fazer comida para as visitas. Os pais de Alvin chegaram e as apresentações começaram. Omelia já tinha 3 filhas de um relacionamento anterior. Omelia disse a Dick Gordon que sentiu que tudo iria ficar bem quando a sogra pegou no recém-nascido. À pergunta do locutor se ela não pensou em "cobrar" pela recusa em conhecê-la desde o início, ela disse que tal não lhe passara pela cabeça porque o que interessava era que os pais do seu marido estavam aí e tudo o que tinha acontecido no passado... fazia parte do passado. Omelia acrescentou também que nunca se falou sobre o que se tinha passado e que somente muitos anos mais tarde... estava ela e o Alvin casados havia 25 anos quando o sogro lhe disse "Pensei que o casamento só fosse durar seis meses."



Hoje, o meu pai enviou-me um poema que escreveu onde diz "É o amor e não o tempo que cura tudo."... E foi o amor, não o tempo que reuniu esta família. Que lição de amor maior do que receber alguém de braços abertos, sem fel no coração por um sofrimento passado?
E hoje lembrei-me que os meus pais, o Chico-Pai e a Maguy-Mãe, vão fazer quarenta anos de casados e não poderei estar por perto para aquele abraço infindo... mas não me vou cansar de lhes repetir o quanto os amo e que um dos melhores ensinamentos que me deram foi o de assumir sempre as minhas responsabilidades.

Tuesday, June 10, 2008

Náufragos...

A minha imagem de tranquilidade, de sintonia com a existência humana e com a natureza é a de um ancião de cabelos e barba brancos, vestido de forma simples e com um boné a proteger-lhe os olhos do sol impedioso. Está sentado num mocho, por baixo de uma das janelas da sua casa de piso térreo e construída em pedra negra, com as mãos a repousarem nos joelhos. A casa está situada algures numa encosta no interior da ilha de Santiago. Com uma vida levada na esperança de boas chuvas e de um bom ano de colheita, nesse momento, ele sorri porque tudo à sua volta está verde. A natureza dar-lhe-á o que ele precisa e ele contempla-a extasiado.

Ontem, fez um mês que cheguei aos Estados Unidos. Estou em Detroit há três semanas e comecei a trabalhar há uma. Com o meu regresso a Detroit, reencontrei o Said que já se interrogava sobre o meu paradeiro visto ter-lhe dito que regressaria em Janeiro e que lhe telefonaria para ele ir buscar-me ao aeroporto. Através dele, tenho conhecido outros árabes africanos, para além de ir-me cruzando com os clientes dele, de passagem por Detroit ou residentes como eu. As minhas conversas com ele e com os seus amigos árabes são tranquilas, sem pressas. Em comum, o facto de sermos de origem africana e emigrantes.

A minha vivência fica mais prenhe, mais rica e aprendo muito mais sobre como levar uma existência mais plena conversando com estas pessoas, indo assim ao encontro do ancião sentado à porta da sua casa feita de pedra e contemplar com ele a natureza. Pressinto que quanto mais conhecimentos adquiro mais me afasto do verdadeiro sentido da existência humana. Talvez seja por isso que os textos de Leão Tolstoy repercutam tanto dentro de mim, proporcionando-me a tranquilidade almejada. Após os sucessos estrondosos das obras Guerra & Paz e Ana Karenina, Tolstoy, até à sua morte, voltou-se para a sabedoria popular e para a busca incessante sobre o sentido da vida. Os diálogos sobre o nosso quotidiano são em inglês, uma língua estranha para todos nós por não ser a nossa língua materna e que se torna muitas vezes insuficiente para exteriorizarmos o nosso estado de alma. Contudo, eles ficam enriquecidos por olhares brilhantes e gestos de agradecimento e de apreciação, tornando-nos mais próximos porque, na verdade, somos todos náufragos.

Independentemente dos motivos que levaram cada um de nós a partir, a deixar a Pátria-amada, e a encontramo-nos aqui em Detroit, para nós terra alheia, somos náufragos porque seremos sempre sobreviventes ... convictos de termos sido impiedosamente arrancados do nosso ninho - das referências que dão sentido à nossa vida.