D. Bia era uma "senhora honrada", tal como ela fazia questão de frisar, empertigando o corpo pequeno, delgado e levantando ligeiramente o queixo. "Senhora honrada", dizíamos, porque "honradamente criei os meus seis filhos, ensinando-lhes a serem homens e mulheres honrados!" Costureira de profissão, "desde que me entendo por gente.", repetia às clientes enquanto lhes fazia a prova da roupa. Ainda criança, mostrara aptidão para a costura e a mãe, aliviada, encaminhara-a para aprendiz de costureira. Era menos uma preocupação saber que uma das filhas estava orientada com uma profissão. E D. Bia, de forma determinada e persistente, criou a sua reputação. Trabalhava em casa e quando lhe pediam a direcção, dizia "Conhece a rua do Nhô Roque? Ao chegar lá, pergunte pela casa da D. Bia que toda a gente me conhece nessa rua."
O quarto de costura da D. Bia dava para a rua do Nhô Roque e quando estava a trabalhar, as persianas de madeira da janela ficavam completamente abertas, de forma a aproveitar ao máximo a luz natural. Uma batida suave na persiana de madeira, fê-la parar a máquina de costura, baixar os óculos e sorrir ao reconhecer a pessoa que lhe batia à janela. Levantou-se com ligeireza, repousou os braços no peitoril da janela e iniciou uma alegre conversa com a amiga. A amiga tinha parado somente para dar um olá rápido porque ainda tinha de ir à praça comprar peixe para fazer no forno mas que logo mais, pela tardinha, passaria por ali novamente para a prova do vestido. "Não é que o baptizado do meu neto é já no Sábado? E daqui a uns dias, já o estou a ver a ir cursar." D. Bia riu com gosto, dizendo-lhe que não era bem 'uns dias', que a amiga não tinha necessidade de se preocupar porque o vestido estaria pronto para o baptizado e que "ainda bem que hoje eles conseguem ir cursar!"
D. Bia ficou ainda um pouco mais à janela, observando a amiga a afastar-se em direcção ao mercado. Quando se afastou da janela, fazendo tenção de regressar ao trabalho, o seu olhar caiu sobre a porta da casa do Nhô Roque. Sorriu ternamente, lembrando-se da sua figura erecta, elegante e de sorriso discreto nos lábios a caminhar em direcção à marginal para o seu passeio. Desde criança aprendera a admirá-lo, a respeitá-lo, observando-o à distância porque nunca se atrevera a conversar com ele. D. Bia não tinha tido a oportunidade de estudar, por isso, só o facto de saber que vivia perto de alguém que lia e que escrevia muito, dava-lhe uma grande alegria. Admitia que na sua luta honrada para dar a melhor educação aos filhos, tinha na sua mente a figura do Nhô Roque. Queria que os seus filhos estudassem e que se tornassem pessoas com cultura, para além de serem honrados. E se ele hoje estivesse vivo, ganharia toda a coragem do mundo e dir-lhe-ía que ela que nunca tinha estudado, tinha, honradamente, criado os seus seis filhos e que hoje, apesar da saudade por estarem todos emigrados, tinha a alegria de saber que os netos estavam a cursar, que falavam várias línguas e que até um estava a cursar para médico. Sabia que ele ficaria orgulhoso também, como se fosse da família.
O Nhô Roque de mãos nos bolsos das calças, postura erecta e de sorriso discreto nos lábios. Ainda de sorriso nos lábios, D. Bia recolheu à sua máquina de costura porque o vestido precisava ficar pronto para o baptizado do neto da amiga.
O quarto de costura da D. Bia dava para a rua do Nhô Roque e quando estava a trabalhar, as persianas de madeira da janela ficavam completamente abertas, de forma a aproveitar ao máximo a luz natural. Uma batida suave na persiana de madeira, fê-la parar a máquina de costura, baixar os óculos e sorrir ao reconhecer a pessoa que lhe batia à janela. Levantou-se com ligeireza, repousou os braços no peitoril da janela e iniciou uma alegre conversa com a amiga. A amiga tinha parado somente para dar um olá rápido porque ainda tinha de ir à praça comprar peixe para fazer no forno mas que logo mais, pela tardinha, passaria por ali novamente para a prova do vestido. "Não é que o baptizado do meu neto é já no Sábado? E daqui a uns dias, já o estou a ver a ir cursar." D. Bia riu com gosto, dizendo-lhe que não era bem 'uns dias', que a amiga não tinha necessidade de se preocupar porque o vestido estaria pronto para o baptizado e que "ainda bem que hoje eles conseguem ir cursar!"
D. Bia ficou ainda um pouco mais à janela, observando a amiga a afastar-se em direcção ao mercado. Quando se afastou da janela, fazendo tenção de regressar ao trabalho, o seu olhar caiu sobre a porta da casa do Nhô Roque. Sorriu ternamente, lembrando-se da sua figura erecta, elegante e de sorriso discreto nos lábios a caminhar em direcção à marginal para o seu passeio. Desde criança aprendera a admirá-lo, a respeitá-lo, observando-o à distância porque nunca se atrevera a conversar com ele. D. Bia não tinha tido a oportunidade de estudar, por isso, só o facto de saber que vivia perto de alguém que lia e que escrevia muito, dava-lhe uma grande alegria. Admitia que na sua luta honrada para dar a melhor educação aos filhos, tinha na sua mente a figura do Nhô Roque. Queria que os seus filhos estudassem e que se tornassem pessoas com cultura, para além de serem honrados. E se ele hoje estivesse vivo, ganharia toda a coragem do mundo e dir-lhe-ía que ela que nunca tinha estudado, tinha, honradamente, criado os seus seis filhos e que hoje, apesar da saudade por estarem todos emigrados, tinha a alegria de saber que os netos estavam a cursar, que falavam várias línguas e que até um estava a cursar para médico. Sabia que ele ficaria orgulhoso também, como se fosse da família.
O Nhô Roque de mãos nos bolsos das calças, postura erecta e de sorriso discreto nos lábios. Ainda de sorriso nos lábios, D. Bia recolheu à sua máquina de costura porque o vestido precisava ficar pronto para o baptizado do neto da amiga.
- Maggs -
____________________
Vivendo na ilha do Santiago, passava as minhas férias escolares na ilha de S. Vicente. Na minha memória, tardes passadas no quintal da casa do Nhô Roque e da Djutinha a brincar. Ainda me lembro que havia um poço que eu estava proibida de me aproximar mas o resto do quintal era mais do que o suficiente para eu abrir asas e voar. A Djutinha de sorriso aberto e feliz por ter gente à volta, o Nhô Roque de sorriso discreto e postura erecta - um sorriso discreto e um olhar vivo! Nestes últimos dias, tenho pensado muito no Nhô Roque porque os meus pais dizem-me que quando for a Portugal em Dezembro, tenho de (re)ler as obras dele; porque todos nós temos excelentes recordações dele e que através da minha escrita posso prestar-lhe uma homenagem. Fiquei feliz por saber que na rua onde ele viveu, hoje é a Rua António Aurélio Gonçalves.
6 comments:
Minha querida!
As lágrimas vieram-me aos olhos ao ler este belo texto. Também eu passei nesse quintal os melhores momentos da minha infância. Eram pessoas especiais. Jamais levantavam a voz. Entravam, com sabedoria no mundo infantil, enriquecendo-o. Bem-hajas por essa merecida lembrança.
Que lindo Maggysinha.
Adorei.
Já sabes quando vens?
Tens de planear bem para dar para todos.
Arega & Cª
Minha Boneca,
Aquele abraço, cheio de saudades!
Tua filhota,
Maggyzinha
Arega & Cª
Daqui a umas duas semanas, o mais tardar, marco a passagem de avião para ir a Portugal em Dezembro.
Eu estava a pensar passar dois dias por aí, se me deres guarida. Temos tanto que conversar! Também já não tenho idade para paragens 'in extremis' de um jipe sobre o passeio da estação de Coimbra-B e depois correr loucamente, com o coração a saltar pela boca, para apanhar o alfa.
Thanks, for the pleasure. Good story I enjoyed it.
Aquele abraço
Nha Cunhada!
Glad you enjoyed it!
Muitas saudades.
Post a Comment