Saturday, March 28, 2009

No meu peito

Não chores...
Mas se tiveres mesmo de chorar, aninhar-te-ei no meu peito.
Aqui, há tantas dores iguais às tuas.

Não chores...
Mas se tiveres mesmo de chorar, levar-te-ei à beira mar.
Ali, há tantas lágrimas iguais às tuas.

Não chores...
Mas se tiveres mesmo de chorar, chorarei contigo.
Bem sabes que as tuas dores são as minhas.

Não chores...
Mas se tiveres mesmo de chorar, pedir-te-ei para não chorares.
É que o mar não é feito só de lágrimas e eu...
Eu preciso que me sustenhas para poder então aninhar-te no meu peito.

A visita

Falaram-me tanto da sabedoria de Nha Clara e, agora, defronte a ela, não conseguia dizer nada. Sei que descera do Hiace e que, destemida, subira a ladeira até à casa térrea de Nha Clara. Porém, mal a vira sentada no mocho, à porta de casa, perdera toda a coragem para as perguntas prementes que tinha dentro de mim.
Debruçada sobre um enorme balaio, Nha Clara descascava, sem pressas e metodicamente, vagens de feijões. Tirava uma vagem do balaio, puxava a linha, às vezes, com a ajuda de uma pequena faca, e, cuidadosamente, retirava os feijões e, sem desviar o olhar do balaio, deixava-os escorregar da sua mão e cair numa panela, colocada no seu lado direito. No seu labor, ainda não levantara os seus olhos para me ver e eu... eu hesitava em cumprimentá-la. Sentia-me mais segura a mirá-la e os seus gestos tranquilos aquietavam-me.
Finalmente, pareceu ter sentido a minha presença, pois levantou o olhar, colocou a mão direita sobre os olhos e, com a mão esquerda, sem hesitações, fez-me sinal para me aproximar. Como que hipnotizada, cheguei perto, pedi-lhe a benção e sentei-me a seu lado, por sua indicação. Nha Clara não falou mas o seu olhar meigo foi o seu abraço de boas-vindas para mim. Sem proferir palavra, indicou-me as vagens e, a seu lado, dediquei-me a esse labor. As minhas mãos foram ficando àsperas e as minhas unhas sujas, contudo, dentro de mim crescia o sentimento de satisfação pessoal. Quando começou a anoitecer, Nha Clara levantou-se e eu ajudei-a a colocar o balaio e a panela dentro de casa. Fez-me adeus e, novamente, pedi-lhe a benção. Sentindo-me livre e ligeira, desci, numa alegre correria, a ladeira e apanhei o Hiace de volta à capital.
- Tive um sonho estranho. Sonhei que passei uma tarde com uma anciã, no interior de Santiago a descascar vagens de feijões. - comentei contigo, aproximando a minha mão para te fazer um carinho no rosto.
- Menina, precisas ir arranjar estas mãos! Estão àsperas! O que andaste a fazer? De certeza que não passaste a tarde a tirar uma soneca no sofá como me estás a dizer! - respondeste, alarmado, lembras-te? Depois, foste abrir a porta da rua para recebermos a visita da tua mãe.
- Oh meus filhos, já viram a prenda que vos deixaram à porta? Uma panela cheia de feijões descascados!
Aí, olhaste para mim, os teus olhos estupefactos, e disseste-me:
- Menina, mas isso foi mesmo um sonho?
Ainda hoje não te sei dizer se foi um sonho ou não. Mas posso dizer-te que aprendi que a minha vida, o meu destino, estão nestas mãos! As mesmas mãos que buscam o teu rosto e te fazem uma carícia antes de adormeceres a meu lado.

Saturday, March 21, 2009

Bem-vinda

Não sabia.
Não sabia que existias.
Não sabia.
Não sabia sequer o que almejavas - para mim -.

Mas tu...
Mas tu sempre soubeste tudo sobre mim.
Quem eu era, quem eu sou.
Eu?
Eu não sabia nada disso sobre mim.

E neste silêncio, nesta quietude,
Eis que irrompeste do fundo de mim
Livre e triunfante!

Sê bem-vinda.
Não sabia que existias - em mim -.
Sê bem-vinda.
Sai da minha sombra.


É que não sabia que és a razão pela qual eu existo.

Thursday, March 12, 2009

Os amantes

Para os amantes, o sol sumia vagarosamente no horizonte e o mar inflamava-se e fundia-se nos tons de vermelho e laranja do céu. A brisa trazia consigo o cheiro forte a maresia e Lígia, fechando os olhos, inspirava sofregamente e apertava com firmeza a mão de César. O rosto, luminoso, deixava transparecer a sua alegria interior por sentir novamente o cheiro característico do mar, transportando-a para a sua infância passada à beira-mar. Sem querer quebrar a ligação com o seu passado, Lígia, ainda de olhos fechados, aproximou a mão de César dos seus lábios e beijou-a ternamente. Com o pensamento perdido nas tonalidades do céu e do mar, César sorriu ao sentir a suavidade do toque dos lábios de Lígia.
Pausaram a caminhada pela Marginal e César repousou o olhar em Lígia, que permanecia mergulhada nos cheiros da sua meninice. Maravilhado, César continuou a olhar para ela, tentando absorver a energia que irradiava dela. Queria entranhar-se nela e conseguir encontrar essa sua avidez inesgotável pela vida. Sim, era por isso que estava tão preso a ela. A fome de viver de Lígia ia despertando aos poucos a sua alma adormecida pela sucessão dos dias sempre iguais. Sim, queria poder fundir-se nela e assim sentir-se vivo novamente!
Lígia abriu os olhos e repousou o olhar no de César que a fitava tão intensamente. Ela deixou que ele invadisse a sua intimidade com aquele olhar tão penetrante. Deu-lhe a liberdade para ele procurar o que tanto precisava e que depois se apoderasse disso sem pedir licença, pois ela era dele. Desde sempre. Esse olhar fazia com que ela se sentisse tão desprotegida, mas, igualmente, tão completa porque eram nesses momentos que os dois se fundiam, completando o outro, saciando a inquietude do outro. César sentia-se agora inclinado a concordar com Lígia quando ela lhe dizia que deixassem que os seus olhares dissessem aos seus corações o que eles nem mesmo sonhavam, o que eles nunca iriam conseguir dizer por palavras. Sim, ela tinha razão.
- Porque sinto que te vou perder, Lígia?
- Porque vais ter de me perder para me encontrares novamente. Mas estarei sempre perto de ti, mesmo quando estiveres longe de mim.
- Serei eu a deixar-te, é isso?
- Não, meu amor. Há-de chegar o dia que sentirei que terei de te deixar para poderes sentir a minha falta. Nesse dia, deixar-te-ei somente um bilhete.
- Mesmo quando estou perto de ti, sinto a tua falta. Sinto a falta daquilo que ainda me vais dar.
- Ainda não sentes a minha falta... Quando finalmente sentires isso, tudo fará sentido para ti.
- Porque falas sempre por enigmas, Lígia?
- Porque sinto que te vou perder, César?
- Porque vais ter de me perder para me encontrares novamente. Mas estarei sempre perto de ti, mesmo quando estiveres longe de mim.
Lígia sorriu e aninhou-se no peito de César. Anoiteceu.

Sunday, March 08, 2009

Silêncio, por favor

a palavra é de prata, mas o silêncio é de ouro.
Leão Tolstoy, in Guerra & Paz

No Domingo passado, no programa de rádio "Speaking of Faith", produzido e apresentado por Krista Tippett e emitido pela National Public Radio, a depressão foi o tema abordado. O que prendeu a minha atenção ao programa foi a conversa da apresentadora com Parker Palmer. Imerso no seu quadro depressivo, ele admitiu à Krista que se afastara totalmente das pessoas e da natureza, i.e. perdera a capacidade de desfrutar de uma tarde soalheira, de admirar uma flor... Falou disso, exemplificando que muitos amigos, numa tentativa de o ajudarem a sair da depressão, iam visitá-lo e diziam-lhe: Mas porque estás assim? Olha como está uma tarde bonita lá fora! E essas visitas tornavam-se muito penosas porque para ele a vida, nesse momento, não fazia sentido e lembrarem-lhe disso só o infelicitava mais. Elogios sobre a sua pessoa, o seu percurso profissional e pessoal, só o faziam sentir que tinha defraudado as pessoas que o rodeavam.
Contudo, um amigo pediu-lhe autorização para visitá-lo e todos os dias, cerca das 16h, aparecia, tirava-lhe os sapatos e massajava-lhe os pés, raramente falando. Parker confessa que esses momentos ajudaram-no muito porque parecia que a única parte do seu corpo capaz de responder a um estímulo exterior eram os pés e esse amigo tinha conseguido comunicar com ele.
Este episódio fez-me reflectir que o silêncio, muitas vezes, é confundido com falta de diálogo e que, frequentemente, falamos muito, não dando oportunidade a outras formas de conversa entre duas pessoas. Acrescente-se que saber ouvir é uma arte que tem de ser trabalhada ao longo da vida. Até que ponto acreditamos que somos "bons ouvintes" e na verdade somente ouvimos o nosso EU e projectamos os nossos dilemas e visões do mundo na pessoa que está a tentar comunicar connosco? No saber ouvir podemos então apreender que aquela pessoa defronte a nós quer somente sentir a nossa presença e que isso é igualmente uma forma de diálogo, talvez até mais profunda porque é sentida intensamente. A amizade autêntica e duradoira exige esta capacidade para nos despirmos das máscaras que nos impedem de conseguirmos ouvir o outro. Saber escutar o que não é dito por palavras é fundamental.
Relembro o poema "Silêncio", de Fyodor Tyutchev (1803-1873):
Não fales, esconde-te, e protege
o modo como sonhas, o que sentes.
Nas profundezas da tua alma, deixa-os elevarem-se
assim como as estrelas nos céus cristalinos
antes da noite ficar indistinta:
Delicia-te neles e não fales.
Como pode um coração encontrar uma forma de se exprimir?
Como pode outra pessoa saber o que pensas?
Poderá discernir o que te move?
Um pensamento, uma vez dito, torna-se falso.
A água da fonte fica escurecida, quando agitada:
bebe da fonte e não fales.
Vive no teu interior sozinho
dentro da tua alma um mundo cresceu,
a magia dos pensamentos velados que podem
ficar encandeados pela luz exterior,
afogados pelo barulho do dia, não ouvidos
aceita a sua música e não fales.

Homero & Maria

- Tem sido uma longa caminhada, minha amiga.
Homero trajava roupas claras, parecia até que todo ele era pureza. A sua barba branca, comprida até ao peito e habitualmente em desalinho, estava particularmente revolta nessa tarde de sol abrasador mas com uma brisa suave a correr pelas ruas da cidade.
Maria não sabia a sua idade, nem a sua proveniência, porém essa barba branca e um olhar de tranquilidade e de apaziguamento permanente e que só a experiência de vida confere às pessoas, diziam-lhe que Homero já percorrera o mundo, enquanto ela sentia que estava finalmente a dar os primeiros passos na estrada da vida, sem buscar o apoio num suporte ao alcance das mãos.
Quando a conversa entre os dois discorria de forma amena, ela quase que se atrevia a perguntar-lhe a idade, a sua origem, o seu percurso de vida... Mas inibia-se sempre, por medo de ofendê-lo, de entrar num campo que ele nunca tinha mostrado disponibilidade em abordar. Nem sabia o seu nome, tendo começado a tratá-lo por Homero e ele parecera aceitar o nome com agrado. A sua curiosidade maior era perguntar-lhe se ele seria um dos deuses do Olimpo, pois Homero aparecia sem avisar, mas sempre nos momentos cruciais da sua vida e mais estranho ainda era que o traje envergado por ele coincidia sempre com o seu estado de espírito, parecendo adivinhar as tonalidades dos estados de alma de Maria. Havia momentos que ele aparecia, sentava-se a seu lado e só se levantava para se ir embora quando sentisse que Maria estava recomposta novamente. Frequentemente, nem uma palavra era trocada entre os dois. Dava-lhe então um abraço fraterno e voltava a desaparecer. Por isso, Maria não se atrevia a exteriorizar as suas perguntas, limitando-se a aproveitar a presença de uma pessoa que lhe transmitia tranquilidade e que a ajudava a passar do gatinhar ao andar autónomo.
- Sim, Homero, tem sido uma longa caminhada...
- Maria, Maria, Maria... lá estás com aquele ar sonhador novamente! - disse Madalena, entrando no gabinete de Maria.
Maria abriu os olhos e nada disse, mantendo o sorriso alegre que se tinha vindo a desenhar nos seus lábios. Madalena entregou-lhe uma pasta e dirigiu-se novamente para a porta. Parou, voltou-se para Maria e como que não resistindo, comentou:
- Mas sabes... é por isso que tens o percurso que tens e que só te pode deixar orgulhosa. Não perdeste a capacidade de sonhar, mantendo sempre os pés na terra! - Madalena saiu do gabinete, fechando a porta atrás de si.
Antes de abrir a pasta, Maria fechou novamente os olhos, o tempo suficiente para ver Homero a sorrir-lhe, dizendo:
- Tem sido uma longa caminhada, minha amiga.

Como foi

No sussuro da tua voz
como uma carícia, explorando as linhas do meu corpo.
Nas palavras suspensas por silêncios densos
onde tudo é sentido e nada é falado.
Fizeste-me tua.


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Sunday, March 01, 2009

Promessas

Promete-me
que todos os dias irás mais além
que serás ponderado nas escolhas
que serás intrépido nas demandas
que sentirás todos os dias que foste mais além.

Promete-me
... não, espera...
Promete a ti próprio
que serás sempre fiel ao teu EU.


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