Sunday, March 08, 2009

Silêncio, por favor

a palavra é de prata, mas o silêncio é de ouro.
Leão Tolstoy, in Guerra & Paz

No Domingo passado, no programa de rádio "Speaking of Faith", produzido e apresentado por Krista Tippett e emitido pela National Public Radio, a depressão foi o tema abordado. O que prendeu a minha atenção ao programa foi a conversa da apresentadora com Parker Palmer. Imerso no seu quadro depressivo, ele admitiu à Krista que se afastara totalmente das pessoas e da natureza, i.e. perdera a capacidade de desfrutar de uma tarde soalheira, de admirar uma flor... Falou disso, exemplificando que muitos amigos, numa tentativa de o ajudarem a sair da depressão, iam visitá-lo e diziam-lhe: Mas porque estás assim? Olha como está uma tarde bonita lá fora! E essas visitas tornavam-se muito penosas porque para ele a vida, nesse momento, não fazia sentido e lembrarem-lhe disso só o infelicitava mais. Elogios sobre a sua pessoa, o seu percurso profissional e pessoal, só o faziam sentir que tinha defraudado as pessoas que o rodeavam.
Contudo, um amigo pediu-lhe autorização para visitá-lo e todos os dias, cerca das 16h, aparecia, tirava-lhe os sapatos e massajava-lhe os pés, raramente falando. Parker confessa que esses momentos ajudaram-no muito porque parecia que a única parte do seu corpo capaz de responder a um estímulo exterior eram os pés e esse amigo tinha conseguido comunicar com ele.
Este episódio fez-me reflectir que o silêncio, muitas vezes, é confundido com falta de diálogo e que, frequentemente, falamos muito, não dando oportunidade a outras formas de conversa entre duas pessoas. Acrescente-se que saber ouvir é uma arte que tem de ser trabalhada ao longo da vida. Até que ponto acreditamos que somos "bons ouvintes" e na verdade somente ouvimos o nosso EU e projectamos os nossos dilemas e visões do mundo na pessoa que está a tentar comunicar connosco? No saber ouvir podemos então apreender que aquela pessoa defronte a nós quer somente sentir a nossa presença e que isso é igualmente uma forma de diálogo, talvez até mais profunda porque é sentida intensamente. A amizade autêntica e duradoira exige esta capacidade para nos despirmos das máscaras que nos impedem de conseguirmos ouvir o outro. Saber escutar o que não é dito por palavras é fundamental.
Relembro o poema "Silêncio", de Fyodor Tyutchev (1803-1873):
Não fales, esconde-te, e protege
o modo como sonhas, o que sentes.
Nas profundezas da tua alma, deixa-os elevarem-se
assim como as estrelas nos céus cristalinos
antes da noite ficar indistinta:
Delicia-te neles e não fales.
Como pode um coração encontrar uma forma de se exprimir?
Como pode outra pessoa saber o que pensas?
Poderá discernir o que te move?
Um pensamento, uma vez dito, torna-se falso.
A água da fonte fica escurecida, quando agitada:
bebe da fonte e não fales.
Vive no teu interior sozinho
dentro da tua alma um mundo cresceu,
a magia dos pensamentos velados que podem
ficar encandeados pela luz exterior,
afogados pelo barulho do dia, não ouvidos
aceita a sua música e não fales.

4 comments:

Anonymous said...

Amei Maggs!!! Definitivamente admiro cada vez mais essa tua capacidade de meter pela escrito sentimentos que muitos de nós nem o conseguimos sequer dizer... nem mesmo a nós proprios.

Um abraço, mudo, silêncioso mas verdadeiro :)

pp said...

Concordo plenamente, gostei muito dessa análise sobre o silencio, como se diz em publicidade, os criativos repetem muitas vezes...O BRANCO do PAPEL tem muita leitura.
(para quê preencher o que está implicito)
bjo :)

Maggy Fragoso said...

Olá Sara,

Com o silêncio por companhia neste longo Inverno, ele tornou-se um amigo, um cúmplice. E sinto a sua falta quando há muito ruído à minha volta.

Espero que tudo esteja indo bem desse lado do Atlântico!

Beijos,
Maggy

Maggy Fragoso said...

Olá PP,

Gosto da expressão "implícito". Se conseguissemos apreender o que é implícito, tanto mal-entendido seria evitado!

Um beijo grande!

Maggy