- Tem sido uma longa caminhada, minha amiga.
Homero trajava roupas claras, parecia até que todo ele era pureza. A sua barba branca, comprida até ao peito e habitualmente em desalinho, estava particularmente revolta nessa tarde de sol abrasador mas com uma brisa suave a correr pelas ruas da cidade.
Maria não sabia a sua idade, nem a sua proveniência, porém essa barba branca e um olhar de tranquilidade e de apaziguamento permanente e que só a experiência de vida confere às pessoas, diziam-lhe que Homero já percorrera o mundo, enquanto ela sentia que estava finalmente a dar os primeiros passos na estrada da vida, sem buscar o apoio num suporte ao alcance das mãos.
Quando a conversa entre os dois discorria de forma amena, ela quase que se atrevia a perguntar-lhe a idade, a sua origem, o seu percurso de vida... Mas inibia-se sempre, por medo de ofendê-lo, de entrar num campo que ele nunca tinha mostrado disponibilidade em abordar. Nem sabia o seu nome, tendo começado a tratá-lo por Homero e ele parecera aceitar o nome com agrado. A sua curiosidade maior era perguntar-lhe se ele seria um dos deuses do Olimpo, pois Homero aparecia sem avisar, mas sempre nos momentos cruciais da sua vida e mais estranho ainda era que o traje envergado por ele coincidia sempre com o seu estado de espírito, parecendo adivinhar as tonalidades dos estados de alma de Maria. Havia momentos que ele aparecia, sentava-se a seu lado e só se levantava para se ir embora quando sentisse que Maria estava recomposta novamente. Frequentemente, nem uma palavra era trocada entre os dois. Dava-lhe então um abraço fraterno e voltava a desaparecer. Por isso, Maria não se atrevia a exteriorizar as suas perguntas, limitando-se a aproveitar a presença de uma pessoa que lhe transmitia tranquilidade e que a ajudava a passar do gatinhar ao andar autónomo.
- Sim, Homero, tem sido uma longa caminhada...
- Maria, Maria, Maria... lá estás com aquele ar sonhador novamente! - disse Madalena, entrando no gabinete de Maria.
Maria abriu os olhos e nada disse, mantendo o sorriso alegre que se tinha vindo a desenhar nos seus lábios. Madalena entregou-lhe uma pasta e dirigiu-se novamente para a porta. Parou, voltou-se para Maria e como que não resistindo, comentou:
- Mas sabes... é por isso que tens o percurso que tens e que só te pode deixar orgulhosa. Não perdeste a capacidade de sonhar, mantendo sempre os pés na terra! - Madalena saiu do gabinete, fechando a porta atrás de si.
Antes de abrir a pasta, Maria fechou novamente os olhos, o tempo suficiente para ver Homero a sorrir-lhe, dizendo:
- Tem sido uma longa caminhada, minha amiga.
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