Monday, December 31, 2007

Ano Novo

Brancas margaridas
hoje, outra cor não podia ser.

Brancas margaridas
hoje, trouxe-as na mão direita.

Brancas margaridas
hoje, especialmente hoje
tinham de ser estas e não outras.

Brancas margaridas
para receber o Ano Novo.


- Maggs -

"It's all about connections..."

O meu Honda Civic - ano de colheita: 1998

No dia 20 de Novembro de 2007, tornei-me proprietária de um Honda Civic. Nos quatro dias que andámos juntos, provavelmente, ele viveu mais emoções do que nos nove anos de convivência com o dono anterior. E algo me diz que ele se sente bem confortável e seguro na garagem, não ansiando pela minha chegada.
No dia 1 de Dezembro, logo cedo fomos ao stand de automóveis colocar a matrícula definitiva. Saímos de lá, orgulhosos, no mínimo. Após um pequeno-almoço no café Caribou (com internet grátis, visto ainda não ter internet em casa), fomos ao supermercado e regressámos a casa. Depois do almoço, fomos ao centro comercial porque precisava de chaves de fenda para montar uma mesa. Quando saí do centro comercial e aproximei-me dele, notei que o pneu dianteiro do lado direito estava nitidamente em baixo. Bem devagarinho, regressámos a casa e telefonei ao meu amigo Said - o Said é um taxista que me "adoptou" porque ele sabe o que é "estar em terra estranha sozinho".
O Said, muito prestável, disse-me para não me preocupar que em meia-hora estaria em minha casa e que me arranjaria "pneus baratos e bons". Quando apareceu, olhou para o pneu e disse que ele estava em bom estado, apesar de estar em baixo, e que iríamos até à garagem de um amigo dele. Decidimos que iríamos no meu carro, com ele conduzindo. Só sei que enquanto eu procuro cumprir os limites de velocidade... com ele, foi coisa que não se viu. Pneu em baixo? Não foi limitação para a sua condução até à garagem.
Após inspeccionarem os pneus todos, tiraram o pneu com problemas e descobriram um prego. Enquanto mudavam o pneu, Said decidiu investigar a qualidade do motor do meu carro em segunda mão e dar-me uma aula sobre como ver quando o óleo devia ser mudado, etc etc. Após a sessão de esclarecimento, Said ao fechar o capô do carro, esqueceu-se do gancho que o prendia e ... partiu o gancho como também o capô do carro ficou com uma grande amolgadela, não se conseguindo fechar.
Nervoso e muito chateado consigo próprio, Said, de origem árabe, falou-me de um ditado da sua cultura que diz que ao nos empenharmos muito a delinear o contorno dos olhos com o lápis (khôl), corremos o risco de borrarmos a pintura. Era como ele se sentia. Tanto esforço em ajudar-me que já me estava a dar prejuízo. Mas disse-me logo: "não te preocupes que tenho outro amigo que tem uma oficina que faz arranjos aos carros!" Telefonou ao amigo mas já eram quase 16h de um Sábado e a oficina já estava fechada. Mas para não me preocupar que ele tinha outro amigo e que iríamos a casa dele. Disse-me que eram pessoas que ele também já tinha ajudado e que era muito importante ter esta rede de contactos. Lá fomos nós no meu Honda Civic até à casa do amigo. Consertaram-me o capô e ele, descontraído novamente, insistiu que deveríamos ir a um café árabe para compensar pela tarde "azarada". Lá fomos ao café Sindbad - bebi um chá de menta e Said fumou o seu narguilé.
Conheci o Said quando, no dia 21 de Outubro, pedi na recepção do hotel onde estava alojada um táxi para me levar ao aeroporto internacional de Detroit, de regresso a Omaha. Em Novembro e Dezembro, no espaço de uma semana, Said levou-me ao aeroporto três vezes e foi buscar-me uma vez. Num total de cinco viagens, para além de termos estado sempre à conversa, assisti a episódios de vida singulares que me fizeram sentir que para além de ele ser "a good connection", é um amigo neste processo de adaptação ao american way of living.
Em Outubro, ao entrar no carro, vi uma menina de cinco anos, sentada no lugar da frente. Said explicou-me que a filha estava de castigo, i.e. se ela tivesse ficado em casa, estaria a ver televisão e o castigo era não ver televisão. O Said é um conversador nato, por isso, falou-me das suas origens, que praticou futebol profissional na Europa e que vivia nos Estados Unidos há quinze anos. Ao chegarmos ao aeroporto, deu-me o seu cartão e que não hesitasse em entrar em contacto com ele, quando regressasse a Dearborn/Detroit.
No dia 21 de Novembro, telefonei-lhe para me levar ao aeroporto. Nesse dia, chovia torrencialmente em Dearborn e quando o Said chegou, notei uma jovem sentada no lugar da frente. Pensei logo: "deve ser a filha mais velha. Estará de castigo?" Mas não. Ao chegar ao complexo residencial onde aluguei a casa, ele viu a jovem, de nome Djamila, a caminhar à chuva e com um garrafão na mão. O carro da Djamila tinha ficado sem gasolina e Said tinha-se disponibilizado para levá-la a um posto de gasolina que ficasse perto. A jovem agradecia-nos a amabilidade porque actualmente é cada vez mais difícil prestarmos ajuda a estranhos - sim, de facto, éramos três estranhos num Lincoln, com a chuva torrencial a separar-nos do resto do mundo.
No dia 26, o Said foi buscar-me ao aeroporto. Disse-me baixinho, mal me viu: "Tenho aqui outra cliente que pode ser um excelente contacto para ti. Fala com ela durante a viagem até Dearborn." Nesse fim de tarde, o Said tinha três clientes: um engenheiro turco a viver na Alemanha e que iria trabalhar uma semana na Ford; a Nancy, uma cliente do Said desde há três anos e que trabalha em Detroit e eu. Enquanto o Said e o engenheiro falavam sobre Dearborn e Detroit, nos lugares dianteiros, a Nancy e eu iniciámos também uma interessante conversa. Por ser da costa leste americana, indicou-me os melhores locais para comprar peixe fresco em Dearborn - e isso não é um excelente contacto?

Saturday, December 29, 2007

Partilha

Cozinha do apartamento no Museu Casa Milà, projectado por Gaudí (Barcelona, Dez.-07)


Para a Miss Curls, pelo energy boost



À mesa, partilhámos
a vida, já vivida.
Os sonhos, ainda
por viver,
por partilhar.

À mesa, sonhámos
a vida, por viver,
os sorrisos, por partilhar.

À mesa, sorrimos
pela partilha sentida,
pela vida, já vivida.


- Maggs -

Perguntar ao verbo

O professor Manso Gigante foi o meu professor de Português no 8.º e 9.º anos, no Externato Júlio César, na Pontinha. Na minha memória, a sua postura distinta e um sorriso sarcástico nos lábios. Quando ele foi meu professor, já tinha atingido uma idade que justificava o sorriso zombeteiro, quase constante, nos lábios.
No Externato, os alunos esperavam pelo professor na sala, de pé, e só se sentavam depois da indicação do professor. Por isso, lembro-me do professor Manso Gigante a entrar na sala de aulas, de fato, com um exemplar da obra em análise, o livro dos sumários e um caderno pessoal. Ficava sentado a aula inteira, com os dedos entrelaçados sobre a mesa, olhar penetrante.
Nesses dois anos, a língua portuguesa deve ter sido a disciplina mais estudada por mim porque cada aula era um autêntico exame - era exposta à turma, praticamente em todas as aulas. Aprendi a desnudar as frases, perguntando ao verbo: "o quê? a quem?" para saber os complementos directo e indirecto. Aprendi a dialogar com a gramática, a descobrir os sentidos escondidos em paragráfos, inicialmente, herméticos para mim. Igualmente, aprendi que as minhas fronteiras pessoais podiam ser renovadas todos os dias, podiam ser redesenhadas e aumentadas todos os dias - um exemplo do que deve ser um excelente pedagogo.
A expressão "desaguar à Fragoso" era proferida por ele sempre que chegava a minha vez de responder a uma pergunta que alguns alunos não tinham conseguido responder. A procura da resposta correcta era feita chamando os alunos por ordem alfabética, por isso, quando se aproximava da letra 'M', eu sentia que o meu nível de adrenalina aumentava. Por vezes, não soube a resposta e ele com um sorriso irónico tentava espicaçar-me fazendo-me sentir mal por não saber a resposta. O seu objectivo nunca foi o de humilhar-me mas sim fazer-me ultrapassar os meus próprios limites e por mim mesma.
Penso amiúde no professor Manso Gigante. O seu olhar acutilante, o seu sorriso e a sua forma de falar acompanham-me ainda hoje porque nunca duvidei que ele me estivesse a ajudar a ultrapassar os meus próprios limites. Os professores marcam-nos para a vida. Guardo excelentes recordações de muitos professores mas muito especialmente do professor Manso Gigante.

Pacífico, meu tormento...

Ao desembarcar no cais, não podia, não queria acreditar no que estava vendo.
Homens armados, com o olhar de quem sabe o que está a fazer, sem, na verdade, o saber. Mal recebem uma notificação, dizendo que precisavam defender a pátria, lá se iam orgulhosos...
Chamo-me John. Sou jornalista do jornal americano Sun e, neste momento, sou correspondente de guerra no Pacífico. Meu Deus, se os trouxesse aqui para verem no que se transformou Hong-Kong... Talvez não acreditassem!
Numa cidade sinistra, onde as barricadas impõem a sua trágica presença! Onde estão os gritos, a algazarra feliz das crianças?!
Numa palavra ou expressão, onde está a beleza que tanto apreciei há 5 anos quando vim fazer a minha primeira reportagem no Oriente?...
Hong-Kong, colónia britânica, no seio da 2ª Guerra Mundial, servindo de joguete entre potências que, por um lado querem subjugá-la e anexá-la a um grande império, o Japão, e, por outro lado, pretendem mantê-la como uma colónia importante no comércio e tráfico de especiarias do Oriente, a Inglaterra.
Aproximo-me dos correios. Talvez haja algum telegrama para mim.
Quando abro a porta e penetro no edifício, depara-se-me o encarregado dos correios, falando da Guerra que assolava o seu querido Oriente a um senhor de idade que talvez tivesse aparecido lá em busca dum abrigo para a noite que, lúgubre, se aproximava.
O relógio marca 7 horas. Mais um dia se passou. E falando num chinês fluente, inquiri:
- Há algum telegrama para mim? O meu nome é John Madigan.
- Há sim. Agora com a guerra só recebemos telegramas para os oficiais. Acaso é o senhor algum oficial disfarçado?
- Não, não sou. - Porém, como me queria livrar o mais depressa desse homem, num ápice, tirei-lhe o telegrama das mãos e fui-me embora, saindo a correr.
A rua estava quase deserta.
Daqui a pouco começaria a ronda e, por isso, precisava encontrar sem tardar, um alojamento.
Foi fácil. Hong-Kong deixou de ser visitado por turistas, mas sim por mercenários e assassinos que preferem o anonimato, dormindo em cabarés ou outro tipo de esconderijo.
O quarto era do mais miserável. Uma cama velha, uma bacia e uma ventoínha avariada, constituiam o seu recheio e mobiliário.
Sem pressa, abri o telegrama:
"Japoneses aproximam-se
Atacam 25/12/41
Boa sorte"
Amanhã é 25 de Dezembro!
Malditos! Tanta fome de vencer que nem esperam mais um dia para se saciarem!
Tive um pesadelo. Sonhei com o meu Natal do ano passado. Passei-o com os meus pais e irmãos. Brinquei muito com o meu sobrinho John. Tem 4 anos. Muito inteligente. Ele estava num deserto, sozinho, sem ninguém, mas estava a brincar com o carrinho que lhe dei, feliz. Sim, brincava com uma felicidade enorme! Mas eu intimamente queria que ele saísse dali, pois os japoneses se aproximavam. Gritei. Nenhum som saíu. Estava sufocado. Não conseguia fazer ecoar o meu gritar! E ele, indiferente, continuava entretido e entregue na sua brincadeira. Cada vez mais aumentava a minha aflição, pois os japoneses aproximavam-se assustadoramente.
De repente, o barulho das bombas a cair, a explosão.
- John, John. Por favor, responde-me. Acordei molhado de suor. E sem haver tréguas outra e outra explosão. Levantei-me, aproximei-me da janela e vi... Meu Deus! O que os meus olhos vêm! Mulheres e crianças a gritar desesperadas. Casas a arder. Animais fugindo, cujos ganidos pareciam dizer: "Vocês não têm consciência do mal que estão a provocar."
Gritei alto e chorei. Sim, chorei como não chorava desde criança. De raiva. Sem dúvida nenhuma, eu era uma criança. Talvez, por isso, não atingia o motivo pelo qual os homens lutam, matam-se e só para poderem, quiçá, no fundo dizer "Tenho poder".
Vesti-me e saí a correr como um louco. Tinha uma máquina fotográfica. Tirei fotografias das crianças abandonadas a chorar, de animais mortos com os olhos voltados para o céu, parecendo implorar a Deus como último recurso.
Hoje 25 de Dezembro de 1941, nasce Jesus e morrem crianças e animais...
Para quê? Porquê? Simplesmente não sei...
O ataque terminara. A minha vida terminara, neste instante. Prometi a mim mesmo que ao voltar para a América, escreveria o artigo da maneira como vi o ataque, sem subtilezas. Fotos mostrando o sofrimento e desespero dos que não tinham nada com a Guerra, ilustrariam a reportagem. E abandonaria a minha carreira. Podia trabalhar na loja do meu pai.
Não voltei ao hotel, não suportaria mais. Fui ao cais e comprei o bilhete para Xangai. De lá voltaria de avião, via Paris, para a América.
Senti e ouvi os japoneses a entrarem em Hong-Kong enquanto entrava no barco que me levaria a Xangai.
Sentia-me só e melancólico. Não queria acreditar que no dia de Natal os japoneses tivessem combatido. Não souberam respeitar o nascimento de Jesus. E ele viera espalhar pelo mundo a fraternidade e solidariedade humana.
São cristãos os japoneses? - perguntei-me.
Não soube responder. A minha mente estava bloqueada e eu só queria chegar ao aconchego da casa dos meus pais o mais rapidamente possível, antes do fim de ano.
Talvez conseguisse afastar do meu espírito esse insólito pesadelo e readquirir a confiança na vida. E quem sabe nos próprios homens apesar do que assisti, infelizmente...
- Margarida Fragoso, 9.º ano, Externato Júlio César, 1986 -
_______________
Quando o professor Manso Gigante pediu aos alunos do 9.º ano que escrevessem um conto de Natal para um concurso, decidi que iria escrever algo sobre a guerra e que procuraria um local que tivesse sido invadido no dia 25 de Dezembro. Porquê o jornalista americano? Bem, achei que seria pouco provável um jornalista português em Hong-Kong nessa altura.

Tuesday, December 25, 2007

Guardião

Pórtico da propriedade Guell, projectada por Gaudí (Barcelona, Dez.-07)


Na imponência do dragão,
o reflexo dos teus receios.
Algoz, guardião,
na medida dos teus arrojos.

Para lá do pórtico,
guardião da tua essência,
- acaso oprimam a tua alma.
guardião da tua liberdade,
- porventura te enclausurem.


Guardião, nunca carrasco!


- Maggs -

Festim

Cozinha do apartamento no Museu Casa Milà, projectado por Gaudí (Barcelona, Dez.-07)

O fogão, cozinhando os sabores.
O cheiro, conquistando os espaços.
O calor, aquecendo os corações.

O festim, a alegria do reencontro.


- Maggs -

Monday, December 24, 2007

Regaço

Os meus braços, as tuas muralhas.
O meu peito, o teu castelo.
O meu regaço, o teu refúgio.
- confessou-me o teu olhar.

Os nossos desencontros, a nossa reunião.
Os nossos receios, a nossa audácia.
Os nossos adiamentos, a nossa ocasião.
- revelou-me o teu sorriso.

"Meu amor, estou aqui.
Há refúgio no meu regaço".
- a tua voz, no meu sonho de ontem.


- Maggs -

Tempos difíceis

Violentando o íntimo.
Descaracterizando a natureza.
Desacreditando os ideais.

Lágrimas, deslizando,
morrendo nos lábios hirtos,
deixando um sabor amargo na boca.
Olhar baço, mãos inertes, ombros recolhidos.

Foram tempos difíceis.
Perdi-me, mas encontrei-me,
na desarrumação das emoções.

Perdi-te, ainda não te encontrei.



- Maggs -

(Omaha, 10 de Novembro de 2007)

Entardecer

No entardecer deste amor,
não quero falar de amor.

Ao longe, observo-me.
Sentada, abraçando-me,
não podendo falar de amor.

As minhas mãos, vazias.
Os meus olhos, secos.
Em mim, a incredulidade,
não conseguindo falar de amor.

No entardecer deste amor,
quero dizer-te que quero falar de amor novamente.



- Maggs -

(Omaha, 10 de Novembro de 2007)

Recanto

Já te falei
daquele recanto
onde tudo é possível?

Basta acreditares em ti.



- Maggs -

(Omaha, 10 de Novembro de 2007
publicado no Jornal Artiletra, Nov.-Dez. 2007)

Monday, December 17, 2007

Vozes

De mansinho,
vem para junto de mim.
Por este caminho,
tenta não causar distúrbios.
Não vamos desassossegar
as outras vozes
- que te desassossegam -.


Acredita no que te digo
- não no que as outras vozes te dizem -.

Não tenhas receio de voar.


- Maggs -