Sunday, April 20, 2008

Andorinha di Bolta


No dia 3 de Maio de 2008, Sãozinha Fonseca apresenta o seu trabalho "Andorinha di Bolta". Sou suspeita para falar sobre a minha cunhada mas tenho a certeza que será um momento único. Pode ser que consiga presenciar...

Ná, Ó Menino Ná...

Sãozinha - Andorinha di Bolta

Ná, Ó Menino Ná

Ó rosto doce de ojo maguado,
Es bo cudado
Botal pa traz!
Nhor Des ta dano um bida de paz,
Ó nha Pecado
De ojo maguado!

Ná, ó menino ná,
Sombra rum fugi de li!
Ná, ó menino ná,
Dixa nha fijo dormi...

Sono de bida, sonho de amor,
Ou graça ou dor,
Es é nós sorte...
Se Deus, más logo, mandano morte,
Quem que tem medo
Ta morrê cedo.

Toma nha ombro, encosta cabeça,
Ja’n dabo peto,
Amá ragaz!
Ó esprito doce, ca bo tem pressa:
Deta co geto,
Dormi na paz...

Eugénio Tavares (1867-1930)

Saturday, April 19, 2008

Hora di Bai

Sãozinha - Sãozinha Canta Eugénio Tavares


Morna de Despedida

Hora de bai,
Hora de dor,
Ja’n q’ré
Pa el ca manchê!
De cada bêz
Que ‘n ta lembrâ,
Ma’n q’ré
Ficâ ‘n morrê!

Hora de bai,
Hora de dor!
Amor,
Dixa’n chorâ!
Corpo catibo,
Bá bo que é escrabo!
Ó alma bibo,
Quem que al lebabo?

Se bem é doce,
Bai é maguado;
Mas, se ca bado,
Ca ta birado!
Se no morrê
Na despedida,
Nhor Des na volta
Ta dano bida.

Dixam chorâ
Destino de home:
Es dor
Que ca tem nome:
Dor de crecheu,
Dor de sodade
De alguem
Que’n q’ré, que qu’rem...

Eugénio Tavares (1867-1930)

Tuesday, April 15, 2008

Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa.
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de heróis, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...


Mário de Sá Carneiro (1890-1916)

Monday, April 14, 2008

A minha identidade

Quanto mais longe me encontro, mais perto me sinto...

Friday, April 11, 2008

Bistidu ku florzinhas

Maria era bunitona, como diziam os rapazes do Plateau. Fêmea negra, de pele luzidia mantida com os óleos que as primas lhe mandavam da Merka. Cabelo crespo, cortado bem rente, fazendo sobressair os olhos negros, o nariz afilado e os lábios carnudos, sempre em vermelho-carmin.

Pelos caminhos que percorria, no seu bambolear lento, provocava danos. Os homens quedavam mudos, seguindo com os olhos aquela mulher cheia de vida e de promessas que nunca se cumpriam. As mulheres tentavam mostrar-se indiferentes, desejando que ela caísse finalmente em desgraça. "Essas mulheres acabam sempre da mesma maneira: grávidas de um conquistador fala-barato!".

Mas Maria não queria acabar como as outras. A sua determinação crescia sempre que olhava para a figura da mãe que perdera o viço antes de chegar aos trinta e que aos cinquenta era uma mulher envelhecida, amarga, sem sonhos. Sim, ela iria arranjar um bom moço e iriam para a Merka, buscar vida melhor.

Ainda na lembrança dos homens e mulheres do Plateau, o dia que ela descera a rua principal da cidade no seu vestido de florzinhas que lhe tinham mandado da Merka. O vestido era branco com florzinhas vermelhas do mesmo tom daquele batom que ela usava sempre. Celestino, homem calado e cioso do seu ofício, perdeu o tino e desceu a rua com ela. Não falava mas olhava para Maria insistentemente. Ao chegarem ao fim da rua, Maria estacou, olhou para Celestino, e disparou: "O que queres?". Celestino, sorrindo, levou a mão ao bolso das calças e mostrou-lhe o dinheiro que iria depositar no banco.

- Uma palavra tua! Com este dinheiro e mais o que já juntei no banco, partimos para Merka quando quiseres.




- Maggs -

Thursday, April 10, 2008

Expectativas

Aguarda-se por
vivências sonhadas
momentos idealizados
alegrias partilhadas
sentimentos verdadeiros
respostas desejadas
encontros esperados

Aguardo por
instantes repletos de coisa nenhuma


- Maggs -

Adeus

Chegada a hora da partida
Mas não o da despedida.

Que logro!
A ruptura em cada encontro.
Palavras pensadas, mas silenciadas.
Olhares esquivos, tão vivos.
Sentimentos omissos, ainda que intensos.

Chegada a hora da partida.
Que seja outrossim o da despedida.



- Maggs -

Tuesday, April 08, 2008

Infância

O conto "A morte de Ivan Ilitch" foi publicado em 1886, contava Leão Tolstoy 58 anos. Ivan Ilitch, casado e com dois filhos, homem de Leis e com uma carreira irrepreensível na máquina do Estado, vê-se subitamente acometido de uma maleita que rapidamente toma conta do seu corpo, conduzindo-o à morte.

Ivan, no seu monólogo interior e quase sempre acompanhado pela dor física lancilante, chega à conclusão que a sua vida tinha sido levada "... como se regularmente tivesse vindo a descer precipitadamente a encosta que julgava trepar!".
"E Ivan Ilitch rememorou os minutos mais doces da sua existência. Porém, facto estranho, eles já não lhe pareciam tão felizes como dantes. Só a infância se salvava: só ela valeria a pena ser vivida se a vida regressasse. Ao mesmo tempo, Ivan Ilitch percebia que já não era o mesmo homem, que todas as suas recordações se referiam a outro, e não a ele".
"Mal abordava o período que desembocara no seu estado actual, todas as alegrias de outrora se fundiam como neve ao sol, pareciam mesquinhas, e até desonestas..."
"E quanto mais se afastava da infância para se aproximar do presente, mais as suas satisfações lhe pareciam duvidosas, insignificantes".

Nesta obra, Tolstoy aborda de forma intensa o tema da morte, descrevendo-a cruamente, porém, para mim, mais marcante é a chegada à conclusão por Ivan que os anos da sua infância tinham sido os mais genuínos...
"Bastava-lhe recordar-se do que era três meses antes para imediatamente verificar que tinha vindo regularmente a descer a encosta e a perder toda a esperança."
"Virado para a parede, só numa grande cidade, no meio de parentes e amigos, só como nem nas profundezas submarinas se pode estar, nem em qualquer ponto do globo, Ivan Ilitch transportava-se, em imaginação, para o seu passado. As visões surgiam uma após outra. Normalmente partia da actualidade, remontava à infância e aí se detinha".

Guardo na memória, a minha infância em Cabo Verde... quiçá os melhores anos da minha vida porque foi tudo vivido sob o olhar da inocência.



_________
retrato de Leão Tolstoy (1884) - óleo sobre tela por Nikolay Gay.
"A morte de Ivan Ilitch" (tradução de Pedro Tamen) - Edições João Sá da Costa

Uma tarde de chuva


Jardim Calouste Gulbenkian - 8 de Abril de 2008

Monday, April 07, 2008

Tempo para...

Debaixo do céu há momentos para tudo, e tempo certo para cada coisa:
Tempo para nascer e tempo para morrer.
Tempo para plantar e tempo para arrancar as plantas.
Tempo para matar e tempo para curar.
Tempo para destruir e tempo para construir.
Tempo para chorar e tempo para rir.
Tempo para gemer e tempo para bailar.
Tempo para atirar pedras e tempo para recolher pedras.
Tempo para abraçar e tempo para se separar.
Tempo para ganhar e tempo para perder.
Tempo para guardar e tempo para deitar fora.
Tempo para rasgar e tempo para coser.
Tempo para calar e tempo para falar.
Tempo para amar e tempo para odiar.
Tempo para a guerra e tempo para a paz.


Eclesiastes 3, 1-8

A minha história

Abdico de tudo

Das fantasias, em particular
A minha alma a apoquentar.

Das frases fáceis
Ditas, ouvidas e sempre fúteis.

Das opções ligeiras
As frustrações recalcadas.



Viro a página e não abdico
Daquela que serei
Do mundo onde viverei.


- Maggs -

Sunday, April 06, 2008

Cântico negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cântico nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!


José Régio (1899-1969)

Saturday, April 05, 2008

Exílio (II)

A mala está pronta...
Os discos, os livros...
A gana de ir além...

Na ida,
solta-se amarras
ganha-se asas.

Na volta,
O exílio que persevera
A estranheza que teima.

Idas e voltas...
Encontros, na falta
Desencontros, na presença.


- Maggs -

Mário de Sá Carneiro

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o outro.


Mário de Sá Carneiro (1890-1916)

Friday, April 04, 2008

Uma tarde de sol

Jardim Calouste Gulbenkian - 4 de Abril de 2008